Quanto vale uma vida?

Você talvez não saiba, mas anote aí:  

“TODAS AS SOCIEDADES DEFINEM LIMITES PARA OS CUIDADOS EM SAÚDE DE UM MODO OU DE OUTRO, DE FORMA JUSTA OU INJUSTA

 

Assim, a verdadeira questão acaba sendo discutir a justiça deste ou daquele limite estabelecido.

Esta é uma verdade cruel, especialmente quando você é uma pessoa que vive com uma doença rara e precisa que o Estado (ou seu plano de saúde) lhe entregue medicamentos de alto custo. 

Então, como sociedade, o que nos resta, verdadeiramente, é discutir :

Como limitar os recursos para a saúde de uma forma justa e socialmente aceitável?

A dificuldade aqui reside no pluralismo moral da sociedade. As pessoas carregam em si valores distintos e em tese não há nada que garanta que elas concordarão com você.

E se falamos em moral, naturalmente precisamos discutir ética.

Mas o que é ética?

O campo da ética (ou filosofia moral) basicamente diz respeito a sistematizar, defender e recomendar conceitos de comportamento certos ou errados.

Assim, qualquer teoria ética precisa nos dizer qual é a coisa certa a fazer em termos morais e, em seguida, fornecer uma justificativa para essa escolha.

Todos os homens são iguais Mas alguns são mais iguais que os outros Abraham Lincoln

Nós, humanos, temos à nossa disposição três principais teorias éticas:

  • Ética consequencialista
  • Ética não-consequencialista (ou deontológica)
  • Ética da virtude (de onde vem os quatro princípios da Bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça).

E aqui, agora, vamos nos concentrar na ética consequencialista, porque ela é muito empregada por Agências de Avaliação de Tecnologias em Saúde, como a Conitec e o National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Se você é uma das pessoas que dependem de medicamentos de alto custo para seu tratamento, vai gostar deste post. Fica com a gente!

Basicamente, o que a ética consequencialista propõe é que :

O que é moralmente bom ou ruim depende das consequências que a ação gera.

Você já deve ter ouvido a expressão “os fins justificam os meios”. Será? Pois essa é exatamente a essência da ética consequencialista.

Assim, teorias morais desse tipo precisam justificar que qualidades possui ou o que faz as consequências de uma ação serem certas ou erradas.

A mais famosa teoria moral consequencialista é o utilitarismo. E aqui as coisas começam a ficar bem interessantes. Porque é exatamente o utilitarismo que está na base de análises de custo-benefício, muito empregadas na economia (e em análises de custo-efetividade ou custo-utilidade, empregadas pela Conitec e congêneres).

Ela foi criada por Jeremy Bentham (1748-1832) e depois aperfeiçoada por John Stuart Mill (1806-1873).

O que o utilitarismo propõe?

Basicamente duas coisas:

  1. O que é desejável é felicidade e ausência de dor
  2. A coisa certa a fazer é aquela que gera mais felicidade e menos dor (para toda a comunidade).

Numa abordagem bastante ligeira, pela lógica utilitarista, os espetáculos sangrentos no Coliseu romano onde um punhado de cristãos eram devorados por leões, para alegria de uma multidão barulhenta na platéia, seriam algo recomendável porque, em tese, estaríamos proporcionando o maior bem possível para o maior número de pessoas.

E agora já estou em condições de te fazer uma pergunta:

Para um utilitarista o que é melhor? Tratar anualmente 300 mulheres em um programa de saúde pública de combate à depressão pós-parto ou fornecer um medicamento de alto custo ao Fulano de tal?

Você acaba de entender (e talvez na própria pele) o que é o utilitarismo. E percebeu que ele apresenta um problema.

Ele é uma forma injusta de lidar com questões envolvendo minorias, como é o caso das pessoas que vivem com doenças raras. Tudo que diga respeito a direitos individuais (e, por extensão direitos humanos) se ajusta mal à forma do utilitarismo. Tudo é sacrificável, se o objetivo é prover o melhor para o maior número de pessoas.

Análises de custo-benefício (ou de custo-efetividade ou custo-utilidade, empregadas pela Conitec e congêneres) tendem a prejudicar pessoas que vivem com doenças raras (e outras minorias) se outros critérios não forem trazidos para a tomada de decisão (equidade, necessidades médicas não-atendidas e gravidade da doença, por exemplo, entre outros).

Há um momento muito interessante no vídeo que você vê acima (que recomendo que você assista todo). Acontece aos 15’51”. É quando Anna, da platéia, diz a Michael Sandell que o utilitarismo tende a prejudicar minorias (pessoas que vivem com doenças raras, do ponto de vista sociológico, podem ser consideradas uma minoria). Anna não sabe, mas, em seus poucos minutos de fama, lavou nossa alma. É o que você precisa levar com você desta nossa conversa de hoje.

Resumindo a opereta! Em se tratando de minorias, necessário se faz manter o equilíbrio entre eficiência econômica e equidade. Isso se a justiça é algo que ainda deve preocupar as pessoas.

Voltaremos a este assunto.

Até a próxima!


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