12 de dezembro: Dia Internacional da Cobertura Universal em Saúde

O dia 12 de dezembro foi oficialmente instituído pela Organização das Nações Unidas como Dia Internacional da Cobertura Universal de Saúde (UHC) em 2012. Já em 2015, tal palavra de ordem foi incluida no Objetivo (ODS) 3 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Mais especificamente em sua meta 3.8.

Proteção contra dificuldades financeiras derivadas dos cuidados em saúde é um dos pontos fundamentais da UHC

A expressão “cobertura universal de saúde” (UHC em inglês) tem vários significados em um contexto global, o que, não raro, tem gerado controvérsias e debates públicos acalorados.

Basicamente, a UHC é concebida como um instrumento para ajudar a promover o “direito humano à saúde” tomado de forma mais ampla, baseada em vários acordos ou documentos internacionais amplamente aceitos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Internacional das Pessoas com Deficiência.

“Nenhum país pode alegar ter alcançado a cobertura universal em saúde se não contemplou adequada e igualmente as necessidades das pessoas com doenças raras”

Helen Clark, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 2016

No Brasil, a expressão é mais frequentemente abordada em artigos de Saúde Coletiva e Enfermagem, sendo que de forma mais crítica naquele campo de conhecimento. Isto porque ele soa incompleto à realidade brasileira e visto por alguns como uma tentativa de fatiar de tal forma a prestação de serviços de saúde visando apenas “garantir um pacote mínimo” , em políticas de feição neoliberal e Estado mínimo.

Entretanto, a própria OMS esclarece que não se trata disso, mas sim de também garantir a expansão progressiva da cobertura dos serviços de saúde e a proteção financeira dos cidadãos, à medida que são disponibilizados mais recursos. Mas o debate continua.

ODS 3

Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para TODOS, em todas as idades

Meta 3.8

Atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos.

Para a OMS, UHC significa “que todos os indivíduos e comunidades recebem os serviços de saúde de que necessitam, sem ficar expostos a dificuldades financeiras“. Isto inclui toda a gama de serviços de saúde essenciais e de qualidade, da promoção da saúde à prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. Em se tratando de Brasil, tal definição é um tanto limitada, já que o país tem a saúde como um direito constitucional de todos e dever do Estado.

No espírito da resolução da OMS, a UHC permitiria que “todas as pessoas teriam acesso aos serviços que tratam das causas de doença e morte mais significativas, garantindo que a qualidade desses serviços seria suficientemente boa para melhorar a saúde das pessoas que os recebem”. 

Para entender este caráter ‘generalista’ da definição de UHC da OMS talvez se faça necessário lembrar que se trata de organismo internacional às voltas com as dificuldades de todo o planeta, nos mais variados graus de extensão.

Consideremos por um momento a escala do problema com que a OMS se defronta, como organismo internacional.

Segundo a OMS, metade da população mundial não tem cobertura e acesso aos serviços considerados essenciais à saúde, aqui incluidos os mais de 100 milhões de pessoas que vivem em situação de pobreza extrema (menos de 1,90 dólar/dia) porque tem que pagar pelos serviços de saúde. Ainda segundo a OMS, 800 milhões de pessoas (12% da população mundial) gastam pelo menos 10% dos orçamentos domésticos em cuidados com a saúde (dados até 2019).

Mas ainda que os argumentos da OMS sejam convincentes no sentido de aclarar o significado da UHC, pode se supor que, na medida em que esta “não significa cobertura gratuita de todas as possíveis intervenções clínicas, independentemente dos custos”, alguma seletividade deverá haver nos serviços de saúde a serem ofertados, com base nesta palavra de ordem (UHC). No Brasil, a saúde é financiada por impostos pagos pelos contribuintes, o que não a torna “gratuita”. Percebe a polifonia desta palavra de ordem?

Como bem observa o sanitarista Paulo Buss, “como esse conceito implica algum nível seletivo nos cuidados a serem recebidos, poderia ser considerado um fator sistemático gerador de iniquidades, no caso dos portadores de doenças raras ou até mesmo de condições mais básicas, que poderiam ser aleatoriamente excluídas por governos”.

Desta forma é necessário ressalvar, como faz Buss, que, apesar de o Brasil somar esforços à luta pela Cobertura Universal em Saúde, a iniciativa não é vista por aqui como suficiente ao cumprimento dos deveres constitucionais de Estado no trato com seus concidadãos.

Buss observa que, no Brasil, toda uma geração de sanitaristas e de outros profissionais da saúde e do desenvolvimento social tem pautado suas atividades na definição mais abrangente de “saúde universal”, “sempre ponderando a conjuntura, os compromissos e as oportunidades de avançar na luta pelo pleno direito à saúde”, onde “se inscrevem outros serviços determinantes da saúde e fundamentais para a equidade social, como serviços comunitários de água, saneamento, coleta de resíduos, alimentação saudável e outros relacionados ao desenvolvimento baseado na inclusão e na coesão social”.

UHC e doenças raras: um campo tensionado?

Aldous Huxley, autor do clássico Admirável Mundo Novo, certa vez sentenciou que “algumas vezes é necessário restabelecer o óbvio”.

Seguindo seu conselho, afirmo uma obviedade: Universal significa “para TODOS”. Se não vale para todos, mas sim para alguns, não é universal.

“Todos os homens são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”
Abraham Lincoln

E aqui vai um dado curioso: a quantidade de pessoas acometidas por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no planeta é quase idêntica a de pessoas vivendo com doenças raras. Contudo, há uma evidente desatenção planetária às necessidades dos doentes raros, salvo algumas exceções que confirmam a regra.

Talvez, não por outra razão, a entidade Rare Diseases International reivindicou em 2019 à Organização Mundial de Saúde a possibilidade de ser reconhecida como o “pilar esquecido” de todas as discussões envolvendo UHC.

Mas como propor cobertura universal se os sistemas públicos de saúde privilegiam o utilitarismo e a eficiência econômica? O utilitarismo com sua máxima de maior bem possivel para o maior número de pessoas costuma deixar algumas pessoas de lado.

As doenças raras parecem tensionar o campo da UHC, dados os custos elevados da alta complexidade em saúde e dos medicamentos órfãos. Aqui os não raros sempre poderão alegar que seu pirão deve vir primeiro.

Não obstante isso, algo precisa ser feito para se mitigar os problemas enfrentados por uma das parcelas mais vulneradas do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas. Soluções existem. Há que se ter vontade política. Os novos ares democráticos que se anunciam para o país podem encurtar estes sinuosos caminhos da dignidade e da cidadania.

É o que vamos discutir ao longo desta semana.

O primeiro blog brasileiro a abordar as doenças raras na perspectiva da Agenda 2030 e dos Direitos Humanos!

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